24 fevereiro, 2007

Dreamgirls (Dreamgirls)




Musicais da Broadway vez por outra transformam-se em filmes. Quando bem feitos, costumam gerar boas produções. Mas desde Chicago, em 2002, não se via tamanha energia na tela. Dreamgirls começa já mostrando ao que veio, com muita emoção e música de primeira. Não é fácil trocar diálogos falados por cantados, e menos ainda fazer com que fiquem bons. Mas aqui tudo está no lugar certo – inclusive algumas partes em que, durante a música, os atores falam ao invés de cantar.

Dos vários atores que puderam estar no filme, a maioria foi eliminada por não saber cantar adequadamente. Sim, todas as músicas no filme são interpretadas pelos atores que as cantam na tela. Talvez seja daí o impacto da novata Jennifer Hudson, que não só tem uma voz de diva do soul como não peca na sua atuação. E pensar que ela fez testes durante seis meses – e saiu de todos eles sob a alegação de que não tinha conseguido o papel. O diretor de elenco que finalmente a escolheu certamente está rindo à toa, com sua caloura candidata ao Oscar de atriz coadjuvante.

Hudson é uma das melhores surpresas da fita, mas certamente não a única. A edição também cumpre um papel importante, reproduzindo com cores vivas e agilidade o balanço do soul que se ouve. A música deslumbrante não precisa de elogios. Mas os outros atores sim. Todos estão bem, incluindo o comediante Eddie Murphy – pela primeira vez indicado a um Oscar.

Apesar de a história caminhar rápido, não há fios soltos. E a mensagem edificante não chega a incomodar tanto, em meio a diversas outras qualidades. O diretor Bill Condon cuida para que apenas a diversão prevaleça, e tem a boa música para lhe dar suporte. Há pessoas que não gostam de musicais. É bem possível que, ao assistirem Dreamgirls, mudem de opinião.

22 fevereiro, 2007

A Rainha (The Queen)




Quando um filme opta por basear sua história em um acontecimento real, já reduz suas possibilidades criativas em grande parte. Quando, além disso, opta por focar em um personagem específico, parece que teremos uma produção resumida a algumas curiosidades banais da vida de uma única pessoa – mesmo que essa pessoa seja a rainha da Inglaterra, Elizabeth II. Mas não se enganem quando assistirem A Rainha. A quantidade de nuances presentes em um filme que, para o espectador comum, é praticamente parado, é incrível.

Stephen Frears, o diretor, tem um trabalho tão variado quanto qualificado. Passando pela transcrição clássica de Ligações Perigosas ao contemporâneo Alta Fidelidade, incluindo em seu currículo o obscuro Segredo de Mary Reilly e o iluminado Sra. Henderson Apresenta – com a mesma atriz principal da Rainha, inclusive – Frears tem o dom de fazer de seus personagens principais uma teia de relacionamentos e acontecimentos intimamente interligados. Alguns podem pensar que o filme deveria se chamar “A Rainha e o Primeiro Ministro”, tamanha a importância do papel deste. Mas, reparem, é apenas pela influência terrível que a rainha possui sobre toda a política inglesa que o primeiro-ministro alcança tamanha participação na trama de fazer com que a família real seja bem vista após a morte de seu membro mais notório – a Princesa Diana, que de fato nem era mais da família real.

Helen Mirren no papel principal é tudo aquilo que já foi dito dela. Não seria exagero dizer perfeita – não neste caso. Ela conseguiu dar voz e forma a uma figura tão conhecida quanto enigmática do nosso tempo, de tal forma que em vários momentos pensamos etar de fato vendo a própria Elizabeth. O recém-eleito primeiro ministro Tony Blair de Michael Sheen também merece destaque – difícil pensar que é o mesmo ator que deu vida ao lobisomem Lucien da série Anjos da Noite – e também, em menor escala, o caricato príncipe Charles de Alex Jennings.

As escolhas de um diretor sobre o filme pesam sobre a sua qualidade. Frears toma as decisões corretas o tempo todo aqui. Ao escolher a melhor atriz possível para o papel principal, ao levar o roteiro para a sua realização ideal, ao evitar personificar a principal coadjuvante da fita, Diana, ao dar um brilho quase humano às tradições seculares da monarquia inglesa. Não é à toa que concorre ao Oscar de direção, junto com o roteiro de Peter Morgan e, claro, a rainha de Mirren, entre outros. Ainda assim, muitos podem não gostar da trama política que se sobrepõe ao drama humano daquela semana na vida coroada de Elizabeth, e isso inclui a própria, a “de verdade”. Compreensível. Ninguém gosta de um espelho, especialmente um tão reluzente quanto este.

15 fevereiro, 2007

Babel (Babel)




São poucos os artistas capazes de deixar sua marca com poucas peças. O diretor mexicano Alejandro González Iñárritu realizou apenas seis produções desde que estreou no cinema, em 2006. Dessas, uma é um segmento de um filme múltiplo sobre os ataques de 11 de setembro, e outra um dos curtas da campanha promocional The Hire para a BMW. Isto nos deixa com apenas quatro longas, sendo que do primeiro pouco pode-se falar. Os outros três, incluindo o seu último, Babel, têm a marca de Iñárritu. São sempre histórias múltiplas com uma conexão, nem sempre muito clara, mas sempre muito importante. Todos eles tratam, em suas múltiplas histórias, de um assunto bem específico.

Babel, como o nome bíblico sugere, trata de comunicação. Ao contrário da história da Bíblia, porém, não da comunicação entre idiomas diferentes. As quatro histórias que o filme apresenta mostram pessoas com problemas para conversar. O casal americano que perdeu um bebê e culpa-se mutualmente; os irmãos marroquinos de uma família criadora de cabras; a babá mexicana e ilegal que cuida dos filhos do casal americano como se fossem seus, mas não deixa sua família, no México; pai e filha japoneses, ela surda-muda, vivendo sob a sombra da mãe e esposa que cometeu suicídio. Eles conversam, mas não se entendem. Será preciso um acontecimento trágico para que isso aconteça.

Como nos filmes mais conhecidos do diretor, é o roteiro que tem o papel principal. A edição, carregada de cores e emoções, é coadjuvante, como os atores. Sem bandidos, sem mocinhos, sem rodeios. Quem não for atento, terá a impressão de que o diretor e o roteirista se desentenderam, e o filme virou uma salada. Pelo contrário. Apesar dos distúrbios conhecidos entre o diretor e o seu roteirista parceiro Guillermo Arriaga, Babel mostra que, entre eles, ainda há entendimento.

Outra marca de Iñárritu é não ser um diretor para muitos. As chances de você sair do cinema acompanhado por críticas categóricas vindas das outras pessoas na sala são grandes. O diretor não se esforça para explicar, e isso deixa alguns espectadores desconfortáveis com a responsabilidade de atar os nós da trama. Quem consegue vencer o desconforto e mirar no grande cenário, no tema mesmo do filme, sairá agradavelmente satisfeito do cinema, e com a vontade de ligar imediatamente para aquela pessoa cuja última conversa saiu pelo lado errado

14 fevereiro, 2007

Rocky Balboa (Rocky Balboa)




Quando um jovem ator, que até então só fizera extras – e iniciara sua carreira com um filme pornô – procurou um estúdio para filmar uma história de sua autoria, viu muitas portas fecharem. Sua via-crucis para colocar seu projeto em prática transformou-se no primeiro filme da série Rocky, em 1976. Contava a história de um lutador e boxe desconhecido que, convidado a lutar em uma exibição contra o atual campeão, surpreende a todos e vence. O azarão das telas virou o da vida real, e a fita ganhou três Oscar dos 10 para os quais foi nomeado. Sabe-se lá o que aconteceu aos membros da Academia naquela época, pois o filme não é tão bom assim. Mas fez a carreira de Sylvester Stallone, até que o oblívio chegou, e ele resolveu ressuscitar seu primeiro sucesso, contando nas telas, novamente, a sua própria história, de alguém que já foi astro e perdeu a majestade.

Impressiona, portanto, que o filme não seja ruim. Era de se esperar um sentimentalismo barato, uma filmagem um tanto torta, uma história desconexa. Mas nada disso aconteceu. O filme segue em um ritmo muito bom, com boas cenas, e uma característica que é uma marca da carreira do ator/roteirista/diretor: Stallone, como seu personagem, não é articulado para falar com emoção – há apenas uma cena no filme com alguma força em que Rocky é quem fala – então deixa que outros o façam. Através do orgulho cego do atual campeão, da falta de orgulho do filho, da nova amizade com uma garçonete, o filme trata sempre do mesmo assunto, a humildade.

De certa forma, este é o melhor Rocky da série. Sem dúvida, tem as melhores cenas de boxe dos seis, mimetizando com competência uma transmissão televisiva. De maneira geral, é um filme agradável, com personagens que a maioria já conhece, sem nenhuma grande surpresa – exceto pela participação do boxeador de verdade Antonio Tarver e uma ou outra cena boa.

A maioria das pessoas deve entrar no cinema por pura curiosidade – meu caso, admito. Alguns vão entrar pelo saudosismo, outros esperando ver novamente um herói da sua geração. Com maior ou menor intensidade, todos sairão satisfeitos. Para um filme duplamente azarão, não é nada mal.

05 fevereiro, 2007

À Procura da Felicidade (The Pursuit of Happyness)




Histórias de superação são freqüentes no cinema norte-americano. Vez por outra, entretanto, elas saem com um gostinho especial. É o caso de À Procura da Felicidade, um filme cuja fórmula poderia resumir inúmeros outros: uma pessoa que luta para vencer na vida, faz escolhas erradas e chega ao fundo do poço, mas não desiste e vence. E mais, baseado em uma história real. Mas à receita foi adicionada uma pitada de sensibilidade, outra de humor, e a forma foi untada com uma bela trilha sonora e um roteiro idem.


O diretor Gabriele Muccino – italiano, o que explica o nome aparentemente feminino – estréia na meca mundial dos filmes mostrando uma boa batuta. A fita caminha quase sozinha, o que quase sempre é sinal de um diretor atencioso. Os elementos básicos são misturados com esmero, e não fica no forno nem um segundo a mais. A bela trilha de Andrea Guerra, conterrâneo do diretor, casa perfeitamente com o roteiro de Steve Conrad.

Will Smith no papel principal mostra que sua vertente dramática continua afiada. Mais conhecido por filmes de ação ou comédias – e também as comédias de ação – como Homens de Preto e Independence Day, ele já se aventurou por dramas muito bons, como Seis Graus de Separação. Sua atuação aqui lhe rendeu uma indicação ao Oscar. Não é o favorito, mas mostra como ele conseguiu envolver-se com o clima da produção. O filme, afinal, é sobre ele. Seu filho, com quem contracena pela primeira vez, merece atenção, especialmente nas cenas mais fortes, que ele segura como um veterano.

Claro, tudo dá certo no final. Mas, felizmente, o filme chega ao fim na hora certa, antes de passar para o patamar de chato. Mais um sinal do acerto do diretor. E a confirmação de que não basta apenas uma boa história, é preciso saber contá-la. Em À Procura da Felicidade vemos apenas o meio, sem começo e antes do final, mas é o bastante para ficarmos satisfeitos de saber que tudo acaba bem.