26 julho, 2008

Uma Garota Dividida em Dois (La Fille Coupée en Deux )




Quando um mestre do mistério resolve fazer um drama, as chances de uma mistura de estilos que não funciona é grande, se não se tiver cuidado. Claude Chabrol é basante conhecido na França por seus thrillers - e diz-se que começou com ele a nouvelle vague francesa - e resolveu experimentar novas maneiras de contar histórias. Uma Garota Dividida em Dois é, essencialmente, um drama, com algumas pitadas de humor e leves toques do gênero original do diretor, tudo isso vestindo uma trama que caberia a uma coméria romântica.

Essa salada dependeria de um roteiro muito bem escrito e amarrado para fluir e funcionar, mas não é o que acontece. O filme é longo e muitas vezes chato. Cenas cuja sequência são discutíveis confundem o espectador, e nem os bons atores escolhidos conseguem fazer a fita andar. A bela Ludivine Sagnier, que normalmente atua bem, perde-se um pouco na dualidade da sua personagem, ora mimada, ora madura. Contracenando com ela estão Benoît Magimel, como um andrógino milionário, e o veterano François Berléand. Este é o único que veste adequadamente seu papel, apesar de poder conter um pouco o tom blasé.

Vindo de um lugar onde tantas boas produções nos surpreendem, esta é uma peça que parece ter saído às pressas. Havia muito trabalho a ser feito, até chegar a um filme realmente bom. Por outro lado, é importante sabermos que nem tudo que vem do velho mundo vale a pena. Para quem sempre torçe o nariz para o cinema europeu, é um bom motivo para continuar assistindo aos pasteurizados norte-americanos. Mas, claro, ele não deve ser usado como referência. Um caso raro em que a distribuição restrita pode trazer algum benefício.

20 julho, 2008

Nome Próprio




Um filme que poderia ter sido escrito pela sua personagem. Assim é Nome Próprio, um filme brasileiro bastante alternativo que ganhou rara divulgação - ainda que ela não tenha se refletido nas salas onde é exibido. Com todos os toques e trejeitos do nosso cinema-cabeça, usa e abusa da metalinguagem, levando às telas um misto de literatura, cinema e internet. Sim, tudo isso afasta um bocado boa parte dos espectadores, mas não tira nada da qualidade. Apesar da impressão de "já vimos isso antes" - afinal nem a linguagem, nem a forma, são de todo desconhecidas de quem gosta desse tipo de filme - somos levados muito facilmente pelos devaneios de Camila, a jovem problemática e impulsiva que usa seu blog para expiar seus demonios.

Murilo Salles, o diretor - do excelente Como Nascem os Anjos - soube adicionar alguns temperos extras, e temos um humor um pouco mais elaborado e ácido. E soube, principalmente, escapar aos mais que batidos clichês dos filmes brasileiros, sem nem mesmo citar nossas conhecidas mazelas. Ele não precisa disso. Na cabeça de Camila, só existe a necessidade de escrever, de se expressar, a necessidade de algo que nem mesmo ela sabe ao certo o que é. A nós, só resta acompanhá-la.

Camila é interpretada por uma espantosamente intensa Leandra Leal. Mesmo quem já a viu em outros filmes, ou nas novelas, e já sabia que ela é uma ótima atriz, vai se espantar. Leandra se entrega à personagem, e dá à Camila contornos tão reais que quase não é necessário que haja mais alguém em cena. E olha que estamos falando de vários nomes de peso contracenando com ela na fita, como a também alternativa Rosane Mulholland, do recente Falsa Loura; Juliano Cazarré, do explosivo A Concepção, do qual Rosane também participou; e até mesmo uma pequena ponta de Milhem Cortaz - olha só, ele também esteve em A Concepção, mas é mais conhecido pelo seu papel em Tropa de Elite. Mas é Leandra Leal que domina a tela, e a história pede exatamente isso dela.

Sem apresentar necessariamente muita novidade, Nome Próprio é, ainda assim, um sopro muito bom no cinema brasileiro. Baseado nos livros e no blog da escritora Clarah Averbuck, é um exemplo de que se pode fazer bom cinema no Brasil sem ter que apelar para os assuntos que já filmamos tantas vezes. É um filme feito pelo prazer de se contar uma boa história, ainda que não da forma que todos gostariam de ouvir. Não é fácil acompanhar a eletricidade de Camila. Mas, aos que ousarem, estão reservados alguns minutos bastante interessantes.

19 julho, 2008

Batman - O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight)




Em um ano com várias produções saídas dos quadrinhos, Batman - O Cavaleiro das Trevas veio para coroar o bom momento dos heróis no cinema. E é uma coroação com tudo o que se tem direito. Quando Christopher Nolan, então conhecido pelo inovador e excelente Amnésia, foi escalado para comandar a nova aventura do homem-morcego, muitos se perguntaram se m diretor com toques de cinema independente iria se sair bem. Batman Begins foi ótimo, deu nova vida ao personagem - depois do absoluto desastre em que Joel Schumacher o havia transformado. Mas certamente ninguém esperava o que esta nova película nos traria.

Ou esperava, já que o filme foi precedido por uma das melhores campanhar publicitárias já vistas - e não digo apenas de filmes. Com jogos que eram vividos na "vida real", conceitos fortes e aplicação perfeita, a campanha fez com que a procura pelo filme disparasse - obteve o recorde de bilheteria na primeira sessão e também no pimeiro dia de exibição. Não será surpresa se, daqui a dois dias, for também campeão no primeiro final de senama. Mas mesmo com a publicidade atiçando os ânimos dos fãs, seria preciso um filme no mínimo excelente para manter o público na salas. E foi.

As melhores facetas do milionário que luta contra o crime estão na fita, mostradas com uma profundidade e realidade impressionantes. Nolan, como no primeiro filme, optou por poucos cenários construídos, e a Gothan que vemos é estranhamente real. O roteiro foi construído com cuidado, permitindo que um filme de duas horas e meia não seja cansativo - aliás, muitos ficariam tranquilamente mais meia hora na poltrona. Essa é uma das principais diferenças entre este e todos os outros filmes de heróis dos quadrinhos já feito. Mas ainda há outras que devem ser citadas.

Christian Bale, novamente no papel de Waye e Batman, repete também sua performance. Michael Cane, sempre excelente, está ainda melhor como Alfred. Maggie Gylllenhal, como a quase namorada Rachel Dawes, mudou levemente a caracterização da personagem, mas atua à altura dos seus colegas, como também Aaron Eckhart e Gary Oldman. Morgan Freeman, como Caine, é experiente o suficiente para conseguir dar peso ao que quer que faça no cinema. E há Heath Ledger. Sua atuação, macabramente combinada com sua morte precoce, foi muito comentada, mas nada nos prepara para o que vemos na tela. O seu Coringa consegue a façanha de ser, e não me preocupo em exagerar na palavra, definitivo. Definitivo porque supera com facilidade todas as outras caracterizações do vilão, inclusive as dos quadrinhos, a qual completa. Ledger tornou o Coringa o personagem que Jerry Robinson tentou criar nas revistas. Toda a loucura - e também a estranha lucidez - do aqruiinimigo estão lá, combinadas com a postura e impostação vocal que fazer deste o melhor papel que Ledger já fez - o que torna ainda mais triste o fato de ser o último.

Entre as várias opiniões que se pode colher em revistas e na internet, vocês encontrarão coisas como "o melhor filme de herói já feito". Não é exagero. Mesmo muito cedo para dar este palpite, é possível que ele seja o primeiro a concorrer ao Oscar de melhor filme, e quase certo que Ledger seja também indicado postumamente para melhor ator. Mesmo que o fãs dos quadrinhos torçam o nariz para o título - tirado da melhor história do personagem, escrita por Frank Miller, e da qual o único elemento tirado são os imitadores do Batman no início - este é o Batman que sempre esperamos ver no cinema.

13 julho, 2008

Hancock (Hancock)




E no meio de uma nova enxurrada de filmes de super-herói, eis que surge Hancock. Como a chamada e o trailer deixam claro, ele não é um herói comum. Beberrão e descuidado, ele vence, sim, os vilões, mas não sem deixar um rastro de destruição, o que irrita a população e as autoridades. Sob esse mote, temos o que no início é uma comédia interessante. O diretor Peter Berg - do recente e elogiado O Reino - parece o diretor perfeito para esse tipo de produção. Mais acostumado a estar em frente às câmeras, em papéis menores, ele dirige regularmente há 10 anos, e tem marcado o comando de um novo remake do cult Duna a estrear em 2010.

Berg deixa a história solta, e os atores também. Percebe-se nas performances de Will Smith, Charlize Theron e Jason Bateman que eles estavam mais exercitando os próprios estilos do que sob a tutela de uma outra personalidade. Felizmente, isso quer dizer que todos se saem bem, com a ressalva de sempre a Bateman, que parece fazer sempre mais ou menos o mesmo papel. Smith merece uma menção especial. Ele se esforça para passar a Hancock o cinismo que o personagem pede, e em algumas cenas consegue. Um diretor melhor preparado conseguiria extrair o que o ator sozinho não foi capaz.

A comédia, lá pela metade da fita, torna-se outra coisa. A história do herói atrapalhado vira uma espécie de drama de descoberta, com uma surpresa que realmente pega todos despreparados. São duas boas metades que não conversam, já que a comédia, desse ponto em diante, é esquecida e, sem conseguir ser nem um bom drama nem um bom filme de ação de super-herói, a segunda segue até o final tentando definir-se. Um pouco mais de trabalho no roteiro e, provavelmente, teríamos um excelente contraponto aos personagens dos quadrinhos que voltaram com tudo à telona.

11 julho, 2008

Kung Fu Panda (Kung Fu Panda)




Com o verão norte-americano, algumas coisas podem ser esperadas no cinema. Algumas superproduções são lançadas no período - que corresponde ao final do ano letivo por lá - e, já há algum tempo, é também a época do lançamento das principais animações. Tivemos o excelente Wall-E há duas semana, e há uma este, Kung Fu Panda. A DreamWorks Animation, responsável pela aventura do panda desajeitado que luta kung fu, é um dos principais estúdios de animação hoje, concorrendo principalmente com a Blue Sky - não dá mais para citar a Pixar, eles já estão muito à frente. Responsável por, entre outros, Shrek e Madagascar, eles sabem o que fazem.

A história do simpático Po é ótima. Tudo o que se espera de uma boa animação está lá: personagens fofinhos, muito humor, referências diversas e, claro, a sempre crescente qualidade técnica. A beleza das paisagens orientais é bem retratada, os personagens são muito bem caracterizados, o roteiro é bem escrito. Não é preciso mais nada. Curto e envolvente, cumpre bem o papel de divertir as crianças sem chatear os pais. Aliás, pelo contrário, o filme é capaz de extrair boas risadas mesmo do mais sisudo dos adultos.

Como uma boa fábula moderna, há a lição final presente, mas ela é apresentada de forma muito coerente com a história. E, em se tratando de um filme de artes marciais, essencialmente, ele também não decepciona. Com toda a liberdade que a animação permite, o estúdio foi cuidadoso o suficiente para fazer com que os estilos e movimentos das lutas correspondessem às referências reais - inclusive, pasmem, os pontos de acupuntura. Se você quer alguns minutos de diversão leve e despretensiosa no cinema, Kung Fu Panda não irá decepcionar.

06 julho, 2008

O Escafandro e a Borboleta (Le Scaphandre et le Papillon)




Fazer um filme sobre a superação humana não traria a este nenhuma atenção especial. Outros bons títulos são facilmente lembrados apenas citando o tema, como Meu Pé Esquerdo e Mar Adentro. Mas há dois pontos que tornam O Escafandro e a Borboleta especial. Um deles é a rara condição do protagonista, um bon vivant que, após um derrame sério, fica totalmente paralizado, só conseguindo controlar o seu olho esquerdo - situação conhecida como Síndrome de Encarceramento. A outra é a forma como a história é construída, a partir do momento em que Jean-Dominique Bauby acorda do coma, 20 dias depois do Acidente Vascular Cerebral.

Os primeiros minutos da fita são totalmente em primeira pessoa. Vemos da forma como Bauby via, na sua extremamente limitada situação. Ouvimos tudo, incluindo o que ele pensa, já que é incapaz de falar. Somos apresentados ao personagem de maneira incrivelmente eficiente, e logo percebemos que, apesar de não conseguir se mexer, sua mente está intacta. Assim, também, logo somos capazes de imaginar o pesadelo que é a prisão dentro do próprio corpo.

Os mosaicos de imagens e memórias, deixando pouco a pouco o ponto de vista de Bauby, é uma composição belíssima do diretor Julian Schnabel, vencedor da Melhor Direção em Cannes, além de indicado para a Palma de Ouro. Com poucos filmes no currículo - este é o terceiro - ele mostra uma predileção por histórias reais, e por uma maneira contundente de filmar. Ele consegue aqui extrapolar as limitações da película, como o próprio Bauby fez com sua imaginação. O filme é praticamente uma viagem sensorial. O bom elenco, apesar das ótimas participações, é quase coadjuvante, ante a beleza da forma como a história é contada.

Um filme que foi muito falado antes de vir para cá - e muito esperado pelos cinéfilos de plantão. Não decepciona, pelo contrário. O que poderia facilmente cair para o sentimentalismo torna-se, nas mãos certas, uma excelente experiência cinematográfica. Imperdível.

05 julho, 2008

A Última Amante (Une Vieille Maîtresse)




Catherine Breillat chamou a atenção do mundo do cinema em 1999, com o forte e polêmico Romance. Desde então, reforçou sua já conhecida ligação com temas relacionados ao sexo, libertação sexual e afins. Seu filme mais recente, A Última Amante, traz tudo isso, relacionado e ambientado na aristocracia francesa do século XIX. A literatura da época nos mostra que as traições, intrigas e segredos eram comuns à época. Alguns vão lembrar-se de Ligações Perigosas - inclusive, o autor do livro, Chorderos de Laclos, é citado em um diálogo entre duas matronas que discutem se o casamento entre um libertino e a "flor da aristocracia parisiense" é mesmo recomendado.

Este é um dos filmes mais leves da cineasta francesa, o que não o impede de causar algum desconforto em muitos. A caracterização dos personagens é excelente, prova de que Breillat é capaz de extrair muito dos seus atores. Por incrível que pareça, é justamente a protagonista Asia Argento, uma italiana que passeia entre produções cult e filmes hollywoodianos, que aparentemente não dá tudo de si. Sua interpretação é forte e poderosa mas, face a outros papéis da atriz, parece um pouco contida. Mas isso é equilibrado pela ótima performance do francês Fu'ad Ait Aattou, um achado. Sem outras aparições, o rapaz de feições andróginas veste bem o papel do conquistador barato - comparado a Don Juan - que encontra na inocente Hermangarde, um bom papel da pouco conhecida Roxane Mesquida, sua chance de, afinal, conquistar uma posição social. As duas matronas já citadas, Claudde Serrate e Yolande Morreau, junto com o também veterano Michael Lonsdale, completam o elenco com boa desenvoltura.

Ousada na forma de filmar, este é o filme mais caro da diretora. Isso deu a ela a liberdade de produzir uma direção de arte primorosa, com peças reais, iluminação eficiente e tudo o necessário para uma ambientação excelente. Para contrapor essa opulência, há várias cenas com nada de trilha sonora, e a maior parte dos diálogos é apenas sussurada - aumentando a sensação de que tudo o que é dito é segredo. Indicado à Palma de Ouro em Cannes, o filme foi ignorado por muitos outros festivais importantes, incluindo o Cesar francês. Uma pena. Aqui no Brasil, no sempre restrito circuito alternativo, torna-se apenas uma curiosidade para a maioria. Mas quem tiver a chance de assisti-lo, e estiver pronto a aceitar uma linguagem diferente, não irá se arrepender.