30 novembro, 2008

Queime Depois de Ler (Burn After Reading)




Os irmãos Coen são grandes cineastas. Eles sabem como poucos transitar entre os estilos e manter a sua assinatura, não se preocupam em agradar a todos, e filmam muito bem. Depois do grande ganhador do Oscar no ano passado, Onde Os Fracos Não Têm Vez, eles nos trazem uma comédia estranha no melhor estilo do filme que os fez ganhar projeção, Fargo. Queime Depois de Ler, nos primeiros minutos, nem mesmo parece uma comédia - o que o liga muito diretamente ao primeiro sucesso dos irmãos. Eles já passaram pelos dramas, pela comédia romântica, pelo suspense, e depois da consagração com o prêmio da Academia, eles voltam a se divertir com o cinema.

Quem acompanha a carreira de Ethan e Joel sabe que tudo que eles fizeram é bom. De O Grande Lebowski a O Amor Custa Caro, passando pela obra-prima E Aí Meu Irmão, Cadê Você, com mais ou menos qualidade, são ótimas produções. Nesta comédia estranha, eles se dão, e ao elenco, a oportunidade de brincar à vontade.

O elenco, aliás, mistura antigas parcerias com artistas que têm sua primeira vez com os Coen. George Clooney trabalha em seu terceiro filme com eles - esteve no excelente E Aí Meu Irmão, e em O Amor Custa Caro. Frances McDormand os acompanha desde antes do sucesso Fargo, no qual também esteve presente. Com este, é sua sétima participação em filmes Coen. John Malkovich e Brad Pitt são novidades para eles. Todos estão ótimos em seus papéis. Pitt como o personal trainner idiota, Clooney como o ex-guarda-costas mulherengo e paranóico, McDormand como a solteirona cheia de energia, Malkovich como o agente defenestrado e cheio de ressentimentos. O elenco de apoio também é muio bom, com Tilda Swinton e Richard Jenkins em bons papéis.

Ao ler "comédia" no gênero, muitos podem pensar naquelas piadas prontas, muitas risadas fáceis e besteirol. Mas esse não é o estilo Coen de comédia. O que temos aqui é a estranheza de situações que normalmente não nos fariam rir, mas que nas mãos de Ethan e Joel tornam-se muito engraçadas. Sua forma de conduzir a história, e a habilidade, que é a marca registrada, de saber interromper a história e mudar de plano nos momentos certos, é o que torna o filme ótimo. Para quem quer diversão bem conduzida, e aceita o diferente.

29 novembro, 2008

Um Amor de Vizinho (The Neighbor)




Assim como acontece com alguns campeonatos esportivos, no cinema também existe o "cumprir tabela". Muitas vezes, apenas para testar um diretor, roteirista, ou mesmo para introduzir um ator, filmes de pouca projeção, ou com pouquíssimo conteúdo, são lançados. Esse parece ser o caso de Um Amor de Vizinho. Uma comédia romântica, que não nos apresenta nenhuma novidade, exceto pelo estreante diretor Eddie O'Flaherty, e pela atriz francesa Michèle Laroque.

O'Flaherty em apenas mais um longa no currículo, um drama sobre um lutador com ainda menos importância que este. Aqui, ele não mostra nenhuma habilidade especial. Há alguns diálogos interessantes - ele assina também o roteiro - mas nada espetacular. O que nos faz pensar que, se for mesmo o caso de cumprir tabela, talvez seja pela Michèle Laroque.

Ela sim, já em bastante bagagem. Com quase seis dezenas de participações, entre cinema e TV, é um rosto desconhecido fora da Europa, talvez mesmo fora da França. Ela atua bem - claro, um tanto limitada pelas arestras simples do roteiro. Na verdade, é interessante notar o contraste entre o seu jeito europeu, normalmente mais intenso não importa o papel, com a atuação média dos seus pares, especialmente o seu marido na trama, Ed Quinn, que está muito fraco. Um trunfo do filme poderia ser visto como a volta de um rosto conhecido. Matthew Modine teve uma ótima participação em Nascido Para Matar, de Stanley Kubrick, e depois disso sumiu um pouco, aparecendo de vez em quando em papéis menores, e também como roteirista e diretor, mas nada que chamasse a atenção. Modine, não obstante sua carreira irregular, atua bem, aqui com um pouco de desleixo - talvez para deixar Michèle aparecer mais.

É um filme bastante simpes e previsível, daqueles que apenas nos permitem alguns minutos de descanso na poltrona. É interessante que seu lançamento no Brasil, apesar de fazer pouco barulho, contou com um bom número de cópias e salas, o que faz pensar se não é, de fato, uma experimentação da produtora, seja nos artistas, seja no público.

23 novembro, 2008

A Mulher do Meu Amigo




Cláudio Torres chamou a atenção do cinema nacional já na sua estréia, com o excelente e histriônico Redentor. Sua segunda investida volta-se para a comédia, com A Mulher do Meu Amigo. Como a maioria das comédias nacionais recentes, é baseada em uma peça de teatro - a principal fonte de inspiração brasileira. Vale-se de um mote muito simples para nos trazer uma história que oferece nada além de diversão.

Quando digo "nada além de diversão", é porque Torres não se preocupou em experimentar linguagens ou criar situações inusitadas. Não é uma comédia inteligente, daquelas que correm o risco de alguns nem entenderem a piada. É uma comédia pastelão, pura e simples. Isso desagradou alguns críticos por aí, especialmente pela força do primeiro filme do diretor. Torres não se apega a detalhes para fazer cinema-entretenimento.

O elenco não é exatamente de primeira, especialmente para o cinema nacional que conta com nomes de peso. Mas aqui também a escolha deveu-se à intenção de levar ao público rostos mais conhecidos. Por isso Marcos Palmeira no papel principal, e Mariana Ximenes como coadjuvante. Eles atuam bem, Marcos com uma performance ligeiramente melhor. Otávio Müller, no papel do amigo, faz as gagues a que já está acostumado. Mas Maria Luiza Mendonça é de longe a melhor presença em cena. No papel justamente da esposa bonita e burra, ela mostra que tem mais base que seus colegas. A participação especial de Antônio Fagundes não chega a impressionar.

Como todo cinéfilo, gosto dos filmes inteligentes, intrigantes, que nos desafiam. Mas, ao contrário da maioria - especialmente dos críticos - não tenho nada contra o cinema diversão. Quando entro na sala para um filme desses, entro desarmado das expectativas maiores que por vezes nutrimos quando escolhemos aquele filme que a maioria dos seus amigos nem sequer ouviu falar. É preciso saber onde se está entrando, e aqui, entre apenas se quiser diversão sem nenhum compromisso. Boas risadas, é tudo que você pode esperar.

22 novembro, 2008

A Duquesa (The Duchess)




Os contrastes culturais sempre despertam interesse. E a realeza inglesa dos séculos passados está cheio deles, o que a torna um fértil território para filmes e livros. A Duquesa traz alguns pontos interessantes das diferenças de valores da época, mas não encanta tanto quando outras histórias com o mesmo contexto.

Saul Dibb, o diretor, é um novato, com algumas experiências na TV e um outro longa pouco conhecido. Este é o seu primeiro filme de grande distribuição, com elenco estrelar. Ele participou também do roteiro, que se baseia no livro da personagem real Gerogiana Spencer, Duquesa de Devonshire. A história guarda algumas relações com outra moderna, bem conhecida - A Princesa Diana também pertence à família Spencer. Mas isso é pouco para tornar o filme realmente interessante.

O elenco é muito bom, e atua muito bem. Keira Knightley não é a melhor da sua geração, mas é sempre competente em seus papéis. Já Ralph Fiennes é daqueles atores que não chamam muita atenção, mas tem total controle dos seus papéis, quaisquer que sejam. Fiennes dá ao Duque de Devonshire o pleno tom aristocrático, no melhor estilo inglês. É uma atuação excelente, e exatamente por parecer ser tão pouco. Nomes como Charlotte Hampling e Hayley Atwell completam o time com boas performances.

Dibb aproveita bem os cenários, e tem a inteligência de evitar as cenas em plena luz do dia - o que torna fácil filmar em locais de época. Tecnicamente, é um filme muito bom, bem fechado, com algumas cenas ótimas. Mas falta-lhe algum tempero, aquela pitada que o tornaria melhor.

16 novembro, 2008

Romance




Romance é daqueles filmes brasileiros que dão gosto de ver. Não por serem excelentes, não por terem afiadas críticas sociais, não por terem aquela mensagem que fica na nossa cabeça por algum tempo, mas exatamente por não ter tudo isso. É uma história simples, em que as idas e vindas do amor se confundem com o eterno embate entre o teatro, como expressão da dramaturgia, e as artes audiovisuais - neste caso, a TV. E esse mote simples - e mesmo recorrente - é utilizado para uma produção deliciosa.

Guel Arraes veio da TV, mas teve a chance de ingressar no cinema por uma via um tanto torta, mas em grande estilo. Ele dirigiu a adaptação de O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, para a TV, e a produção foi adaptada posteriormente para o cinema. Seus dois outros filmes seguiram um estilo muito parecido. Lisbela e o Prisioneiro - o primeiro "filme filme" - usa muitos elementos de suassuna, e Caramuru segue o mesmo trajeto do Auto, feito para a TV e depois adaptado para cinema. Em Romance, Arraes inova sua linguagem, apesar de manter um pé no nordeste em uma parte da história.

Um bom time de atores aproveita cada momento do excelente roteiro. Wagner Moura mostra sua versatilidade de sempre, ao lado da bela e talentosa Letícia Sabatela. Andréa Beltrão usa seu lado cômico, acompanhada da participação especial de Marco Nanini e José Wilker. Vladimir Britcha, como era de se esperar, é o mais fraco do elenco, mas nada que desabone o filme.

Os diálogos são o principal. Misturando falas diversas de peças famosas ou nem tanto com situações próprias do roteiro, alguns poderiam dizer que a fita é um falatório sem fim. Mas é justamente isso o grande charme, inclusive a mistura saudável da forma de se atuar em teatro e em cinema. Arraes fez, como nas outras vezes, um filme para todos, mas desta vez apimentou a mistura com vários elementos que, em maior quantidade, espantariam alguns espectadores. No fundo, é uma história de amor, uma comédia romântica muito bem trabalhada, e com um final surpreendentemente bom.

15 novembro, 2008

007 - Quantum of Solace (Quantum of Solace)



A franquia James Bond nunca vai deixar de ser um poço de dinheiro, e talvez também de discórdia. Quando Daniel Craig foi chamado para ser o novo 007, as críticas começaram antes mesmo das primeiras cenas serem liberadas. Cassino Royale é a primeira história do espião inglês, e muitos achavam que merecia mais respeito. Quantum of Solace não consta nos livros oficiais de Ian Flemming, porque é na verdade um conto, parte do livro Apenas Para Seus Olhos - o filme homônimo foi inspirado no conto que dá nome ao livro. Quantum of Solace não é uma história de espionagem, nem mesmo do James Bond. Ele aparece, no conto, apenas como coadjuvante. Nada do conto foi utilizado no roteiro do filme, que faz inclusive um movimento inédito na série, com uma ponte entre este e o anterior.

Na direção, Marc Foster. Os mais atentos tomam um pequeno susto. Foster é um ótimo diretor, e na sua curta carreira já chamou a atenção com várias ótimas produções, como A Última Ceia, Em Busca da Terra do Nunca e Mais Estranho Que a Ficção. Repare bem, nem de longe filmes de ação, pelo contrário. A escolha foi sugestão do astro Daniel Craig que, apesar da atuação mediana, mostra pelo menos bom gosto como espectador.

É, não tem jeito mesmo. Craig disputa com George Lazenby o posto de pior intérprete do espião. E o roteiro não ajuda. Truculento, pouco charmoso, abusando do direito de matar e, o pior, não sabe o drique que bebe. Esforçe-se para reconhecer Bond nessa descrição. A expressão constante de desaprovação de M - a sembre boa Judy Dench - pode ser tranquilamente entendida como sendo pela atuação fraca do ator. A performance do resto do elenco só confirma isso. Nenhuma atuação excelente ou memorável, mas todas muito acima dele.

Essa nova fase do James Bond está difícil de engolir. A história de Quantum of Solace é fraca, comparada a alguns filmes anteriores - incluindo os primeiros com Pierce Brosnan, o penúltimo Bond e, na opinião deste crítico, o segundo melhor. Ainda assim, parece agradar os fãs de filmes de ação, pelos números da bilheteria. E, por isso mesmo, parece que ainda veremos mais do Bond de Craig - embora já haja rumores de um novo 007 sendo escolhido, talvez - novamente - o primeiro negro.

Vicky Cristina Barcelona (Vicky Cristina Barcelona)




Woody Allen é um diretor bastante prolixo. Lança praticamente um filme por ano. Ele passou por alguns momentos de, digamos, menor qualidade cinematográfica. No caso de Allen, esse "menor" ainda significa um bocado de qualidade. Recentemente, ele começou a filmar fora dos Estados Unidos, e parece que reencontrou também suas qualidades. Como ele filma muito, ainda não podemos fazer dos seus filmes um evento. Mas com Vicky Cristina Barcelona, não obstante isso, temos uma bela obra de arte.

É um Allen bastante diferente. Não estamos aqui na sua tradicional comédia de costumes, nem tampouco nos seus dramas com viés psicanalíticos. Não estamos nem mesmo no limiar das histórias de crime e suspense que ele adotou em algumas das suas produções mais recentes. É ainda uma comédia, tem um pouco de drama, mas é, novamente, Woody Allen experimentando. E isso é ótimo. Em seu primeiro filme na Espanha, ele abandona o olhar lacônico sobre a arquitetura e a tendência para os tons acinzentados, e explora com sucesso o calor e as cores do país.

Sua mais recente musa volta sob a sua tutela. Scarlett Johansson faz um bom papel ao lado de Rebeca Hall, um rosto pouco conhecido, mas que mostra muito charme e personalidade na sua atuação. As atenções, entretanto, são realmente os espanhóis Javier Bardem e Penelope Cruz. São eles que conduzem os outros personagens pela cultura catalã, e são eles os destaques da história.

Allen poupou no roteiro para aproveitar na experimentação. Nem de longe é um dos mais inteligentes do diretor novaiorquino, nem dos mais classudos. É na verdade bastante simples, mas extremamente bem trabalhado. E é esse o charme do filme, a simplicidade da trama unida com a maestria com que é conduzida. É um Allen diferente, mas dos melhores. Não é à toa que está colecionando elogios por onde passa.

02 novembro, 2008

Baby Love (Comme Les Autres)




A Europa sempre nos oferece uma oportunidade de confrontarmos nossos conceitos, com as várias facetas liberais que o Velho Mundo possui. Mas mesmo lá ainda há alguns resquícios de pensamentos retrógrados, e é justamente em um desses pontos que Baby Love trabalha. O título, em inglês, em nada reflete o Comme Les Autres original, e é estranho que tenham decidido por ele para a cópia brasileira. Como Os Outros, na tradução direta do original, representa muito melhor o que o filme deseja transmitir.

Vincen Garenq, estreando em longas depois de uma vasta carreira na TV francesa, conta a história de um homossexual que quer ter um filho, à revelia de todos, inclusive do seu parceiro. Dessa trama pode-se extrair uma história com diversos desdobramentos, mas Garenq escolhe talvez o mais apropriado para uma peça cinematográfica. Sem deixar nem por um momento descambar para uma das várias vertentes sentimentalóides, ele consegue um resultado excelente.

E parece que o fez também para deixar a fita mais palatável para o público não-europeu. O personagem principal é interpretado, muito bem por sinal, por Lambert Wilson, que já vimos em filmes de grande público como as duas sequências de Matrix e Mulher Gato. Contracenando com ele uma boa seleção de atores franceses, e a espanhola Pilar López de Ayala, em uma ótima performance.

E você deve estar se perguntando qual foi afinal o estilo que Garenq adotou. Poucos pensariam que poderia ser uma comédia, mas é, e das melhores. Não que com isso ele trate o tema da homossexualidade, ou da adoção, ou qualquer outro, com desdém, pelo contrário. Ele faz uma comédia inteligente, daquelas que rimos por serem situações que, por mais estranhas que pareçam, são factíveis - inclusive diz-se que o roteiro, escrito por ele, foi inspirado em uma situação real vivida por um amigo. Com bastante delicadeza, todos os pontos polêmicos são contornados por uma história deliciosa.