08 agosto, 2009

À Deriva




Vez por outra somos agraciados com cinema brasileiro bem feito. E não me refiro apenas às qualidades que fazem os filmes tornarem-se campeões de bilheteria - na verdade, é quase o contrário. Heitor Dhalia nos agraciou em 2007 com o histriônico e engraçado O Cheiro do Ralo. Em seu novo À Deriva ele nos agracia com uma história que agrada os cinéfilos mais ferrenhos, e também toca qualquer um que se interesse em experimentá-lo. Para fazê-lo, buscou elementos frugais, daqueles que poderiam facilmente permear um episódio de Malhação. Mas não se enganem, é justamente da capacidade de pegar esse mote simples e transformá-lo em um grande filme que surgem as várias qualidades desta produção.

Valendo-se das belas paisagens de Búzios lindamente fotografadas por Ricardo Della Rosa, e pela ambientação remetendo ao início dos anos 80, Dhalia nos revela o mundo pelos olhos de uma garota entrando na adolescência, e encarando aventuras e conflitos talvez maiores do que esteja preparada. A facilidade com que somos levados por Filipa, quase sentindo as suas angústias e alegrias, revela a mão de um diretor que merece ser notado.

A personagem principal é interpretada pela estreante Laura Neiva. Como uma marca da nova geração, ela foi selecionada pelo Orkut, sem nenhuma referência de atuação. É injusto dizer que ela sai-se bem no papel por interpretar, basicamente, a si mesma. Há mesmo nas falhas de interpretação de Laura algo que indica que pode estar ali um talento a ser trabalhado. Tanto que ela não tem dificuldades de contracenar com a experiente Débora Bloch e o internacional Vincent Cassel. A sua trupe de amigos no filme também corrobora esse talento; há alguns claramente treinados no ofício, enquanto outros são tão novos quanto ela.

À Deriva, como Não Por Acaso, é um filme que poderia ter "acontecido" facilmente em algum lugar da Europa. E isso é um sinal de um cinema amadurecido o bastante para saber que pode contar uma boa história brasileira sem ter que apelar para as já vencidas paisagens áridas do Nordeste ou as mazelas urbanas. Provavelmente não vai ser um sucesso de público - nós brasileiros ainda estamos, infelizmente, mais acostumados às facilidades do cinema norte-americano e seus clones - mas vai conquistar qualquer um que abra os olhos e a cabeça para assisti-lo.

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