26 março, 2010

Ilha do Medo (Shutter Island)




Martin Scorcese e os cinéfilos têm um caso de amor e ódio. Ele é inegavelmente um dos maiores diretores, e no seu currículo estão peças primordiais da sétima arte como Touro Indomável, Taxi Driver, Os Bons Companheiros, para citar apenas os mais famosos. Sua produção recente tem altos e baixos, alternando entre o muito bom e o regular. Ilha do Medo se enquadra nesta última categoria, apesar da produção bem trabalhada e das atuações convincentes.

Ilha do Medo sofre de um mal gravíssimo no cinema: roteiro. E que é agravado por alguns deslizes de direção também, como uma das cenas iniciais em que o protagonista chega à ilha e uma música sinistra alta toca com claro intuito de provocar o suspense. A música é totalmente desnecessária ali, tanto que mais à frente uma cena parecida fica muito melhor pelo silêncio angustiante. A trama deveria nos manter altamente interessados o tempo todo, mas lá pela metade do filme já conseguimos imaginar o final – embora esperemos que não seja tão óbvio quanto estamos pensando.

O elenco segura um pouco o filme, com participações muito boas de Bem Kingsley, Max Von Sidow e Mark Ruffalo, e pontas excelentes de Elias Koteas e Jackie Earle Haley. Mas é justamente o ator principal, Leonadro DiCaprio, que “conta” a história antes do final com sua atuação exagerada do começo ao fim – no final ela seria até justificável, mas matou o suspense já começando assim. O filme tem, sim, algumas qualidades, e vale o ingresso. Mas esperávamos mais de Scorcese.

20 março, 2010

Zumbilândia (Zombieland)




Zumbis são o tema clássico dos filmes de terror B, daqueles com baixo orçamento - e que gastam praticamente tudo em sangue falso. Saber então que há uma produção com zumbis cuja primeira classificação é comédia é um convite a pelo menos conferir o que resulta dessa tentativa no mínimo ousada. Zumbis podem ser engraçados? Podem. Na verdade sempre foram, mesmo quando é só terror mesmo - mas no caso normalmente são engraçados de mal feitos. Aqui, a graça não está nos zumbis, mas sim nos sobreviventes.

Ao invés do típico herói briguento e da mocinha desamparada, temos um nerd e uma garota que não precisa de ninguém para salvá-la. Mas como um nerd sobrevive a ataques de zumbis? Ele mesmo explica, naquilo que é o maior charme do filme: as 32 regras para sobreviver na Zumbilândia. A edição valoriza esse atributo, lembrando-nos sempre de que as regras existem para ser seguidas à risca, quase sempre. Então as interferências de caracteres que acompanham o pensamento do personagem principal quase sempre são acompanhadas de risadas.

O nerd é o promissor Jesse Eisenberg, bastante natural no papel que já fez outras vezes. Acompanham-no a bela Emma Stone, e os dois rostos mais conhecidos da fita, Woody Harrelson e a menina prodígio Abigail Breslin. Dois? Não, é preciso citar a pequena mas muito especial participação de Bill Murray representando a si mesmo em um papel hilário.

Comandando a turma está Ruben Fleischer, colocando sua primeira marca notável no currículo. Apesar de ser ritmado pelo humor, o terror também está presente, portanto convém não convidar crianças pequenas a assistir. A mistura, aliás, ficou muito boa para quem está disposto a sofrer alguns sustos alternados com a comédia. Uma pena que não chegamos a ver as 32 regras. Não chega a ser um ótimo filme, mas é certamente divertido.

15 março, 2010

Invictus (Invictus)




Quando pensamos em um diretor que faz praticamente um filme por ano, e que vez por outra estrela as próprias produções, tendemos a imaginar um cineasta novo e ansioso por fazer nome na história do cinema, e que isso provavelmente vai acabar em algumas peças não muito boas – afinal, da ideia ao lançamento muita água corre, às vezes por mais de um ano. Mas estamos falando de Clint Eastwood. Não só ele é um dos mais velhos diretores em atividade, com seus 80 anos, mas é também um dos melhores. É impressionante a capacidade dele de filmar em sucessões tão curtas, e fazer sempre filmes tão bons.

Eastwood gosta de variar também. Ele alterna ficção e histórias reais e muda sempre um pouco o seu estilo, mas sem deixar de colocar a sua marca em tudo o que faz. Ele alterna também na qualidade, mas, ao menos nos últimos tempos, está sempre entre o muito bom e o excelente. Invictus é um caso de filme muito bom. Mas talvez só pensemos assim dele porque o anterior, Gran Torino, é dos excelentes. Não há nada, de fato, que desabone a visão de Eastwood do ousado movimento político de Nelson Mandela ao apoiar um time de rúgbi.

Estrelado por um parceiro costumeiro, Morgan Freeman, e por Matt Damon, Invictus evita habilmente a política do início do mandato de Mandela, para mostrar justamente a política feita nas pequenas coisas. É esse o ponto principal, e é justamente isso que cativa tanto na história. E, coincidência ou não, o mundo todo vai ter a chance de ver os resultados dessas primeiras atitudes do então novo presidente muito em breve, quando quase todos os olhos do mundo estiverem na África do Sul.

Como em outros dos seus filmes baseados em fatos reais, Eastwood gosta de trabalhar com histórias em que o argumento é contornado até o ponto em que justamente aquele assunto paralelo começa a impactar o principal. Aqui, é um jogo de rúgbi representando a oportunidade de unir uma nação. E, como sempre, não há como não sair satisfeito de um filme dele.

10 março, 2010

Preciosa (Precious)



Só algumas vezes um filme independente atinge um patamar tal que todo mundo começa a falar nele. Ainda menos vezes esse filme rompe a barreira do circuito alternativo e chega às salas comerciais, sem falar em disputar o Oscar e ainda levar algumas estatuetas. Quando isso acontece, temos que assisti-lo. Quase não importa do que o filme trate, só temos que ver como tudo isso aconteceu. No caso de Preciosa, temos que assistir também porque é uma excelente produção.

Ler a sinopse dá a falsa impressão de que vai ser um daqueles dramalhões de superação. Ver o trailer tira um pouco disso, mas ainda assim não é suficiente para atrair todos. É um engano. A qualidade de Preciosa está na coragem de falar abertamente o que muitas outras produções acharam prudente apenas indicar. E por isso essas coisas já aparecem na sinopse e no trailer. Precious é uma adolescente negra, obesa, semianalfabeta, repetidamente agredida pela mãe com palavras e violência física, e pelo pai com estupros. Estamos dentro da cabeça dela, que foge para fantasias sempre que o mundo começa a ficar difícil de suportar – apenas imaginem que ponto é esse na vida de alguém com esse “currículo”.

Lee Daniels dirigiu apenas um outro filme, que ninguém conhece. Geoffrey Fletcher nunca escreveu nada antes que fosse digno de nota no IMDb. Push, o livro que inspirou Preciosa, é o primeiro da autora Sapphire. Esse time de novatos chamou Gabourey Sidibe, atriz também iniciante, para estrelar a produção. Adicionando o roteiro difícil a essa mistura, temos uma receita altamente arriscada. E tudo funciona. Tudo faz você ficar desconfortável na poltrona, mas ainda assim não conseguir levantar nem desgrudar os olhos da tela. Em alguns momentos, temos a impressão de que é na verdade um documentário intimista, o que torna a experiência ainda mais intensa. Os poucos rostos conhecidos que vemos na tela estão tão bem disfarçados nos papéis que nenhum alívio nos trazem.

Não é sempre que essa combinação dá certo. É raro, muito raro, especialmente por ter dado tão certo. Qualquer pequeno deslize resultaria no dramalhão que a sinopse nos leva a acreditar, ou numa peça puramente masoquista fadada a virar fetiche cult. Mas a medida bateu, tudo se encaixa nesse difícil quebra-cabeças. Por isso tudo, Preciosa é um filme mais que necessário.

07 março, 2010

Simplesmente Complicado (It's Complicated)




Como na última crítica, você talvez não reconheça o nome Nancy Meyers. Mas certamente conhece a maioria das suas poucas produções. Elas são algumas das melhores comédias românticas dos últimos tempos: Do Que as Mulheres Gostam, Alguém Tem Que Ceder e O Amor Não Tira Férias. Em todas elas, percebe-se o estilo de Meyers especialmente no ritmo, mas também no tratamento dos personagens. Em comum há, também, o fator surpresa.

Como é a própria Nancy Meyers quem escreve a maioria dos seus filmes – a exceção é Do Que as Mulheres Gostam – ela consegue abusar, no bom sentido, dos estereótipos que aplica aos seus personagens. E, talvez por isso, consiga aplicar aqui e ali alguns ótimas situações e diálogos, daqueles que arrancam gostosas risadas. Ela foi também a precursora das comédias românticas com atores mais velhos, e isso é para ela uma espécie de arma secreta.

Como em Alguém Tem que Ceder, ela convidou grandes nomes para o casal principal. Difícil pensar em uma atuação ruim de Meryl Streep em suas últimas atuações. Aqui, livre para encarnar a comediante que todo ator gosta de ser, ela atua tão bem que é um deleite vê-la na tela. Alec Baldwin, mesmo sem ser um nome de primeira grandeza, mostra a habilidade que só se ganha com a experiência. Steve Martin foi uma aposta ousada, provavelmente feita por conta da sua atuação comedida – e praticamente repetida aqui – em Garota da Vitrine. E contrabalançando o trio está um ótimo elenco jovem – que na verdade compartilham partes de uma única personalidade, a ponto de sobressair na verdade o genro, e não um dos filhos.

De tudo que se vê deste Simplesmente Complicado, começando pelo próprio nome, o cartaz e o trailer, nada cria muita expectativa. É já na poltrona que sentimos que pagamos muito bem pelo ingresso. Tudo bem feito, e na medida para diversão descontraída.

04 março, 2010

Idas e Vindas do Amor (Valentine's Day)




Você provavelmente não se lembra do nome Garry Marshall. Mas certamente conhece sua produção mais famosa, Uma Linha Mulher. Ele também dirigiu outro que algumas pessoas lembram, Noiva em Fuga. E a carreira dele é marcada por comédias românticas, algumas boas, outras nem tanto. Mas é certo que é um terreno amigável para ele. Em Idas e Vindas do Amor, entretanto, ele tenta algo novo - em sua carreira, não necessariamente novo no cinema: um filme cheio de personagens que de algum modo se relacionam.

Feito sob medida para o final do inverno norte-americano, e para o Dia dos Namorados deles - que lá é em 14 de fevereiro - Idas e Vindas do Amor, um caso raro de título que não pode ser traduzido corretamente, tem o mesmo roteiro de virtualmente todas as comédias românticas. E do jeito que funciona.

Chama a atenção o elenco cheio de nomes famosos. Ashton Kutcher, Jamie Foxx, Jessica Alba, Bradley Cooper e vários outros, sem um principal claramente definido. O que torna levemente difícil amarrar o roteiro de forma de que todas as muitas histórias tenham o seu final. Mas Marshall consegue realizar o malabarismo sem problemas, e inclusive colocando alguns bons diálogos no meio do caminho.

Não é um filme com surpresas, mas consegue guardar algumas surpresas para o final, e também obter algumas boas interpretações, como a de Anne Hathaway, que inclusive estreou oficialmente em um filme seu. Marshall tenta atingir, sem sucesso, a qualidade do ótimo Simplesmente Amor. Sem sucesso, mas não por isso ruim. Talvez, novamente em um caso raro, o lançamento no Brasil devesse ser atrasado para combinar com o nosso Dia dos Namorados.